Não só a maior cidade da América Latina, como também um dos principais polos econômicos do mundo, a capital do estado de São Paulo — metrópole carinhosamente apelidada de “Sampa”, guarda segredos e surpresas infinitas a cada visita, até mesmo para aqueles que lá constroem a sua vida.
Com seus assustadores números — mais de 12 milhões de habitantes espalhados numa região de mais de 1,5 mil quilômetros quadrados — a capital paulista não só se destaca por sua economia e cultura (representando, sozinha, 10% do PIB de nosso país), mas também por sua paisagem: uma verdadeira selva de concreto, com incansáveis viadutos, prédios e arranha-céus residenciais e comerciais, vielas e ruas costuradas em meio a largas e famosas avenidas e vias expressas e até no subterrâneo, linhas extensas de metrô e túneis que completam essa imensidão “cinzenta”.
E em meio a toda essa paisagem, ícones incontestáveis da construção civil e da arquitetura se ergueram com o passar dos anos, tão antigos quanto a própria ascensão da metrópole, mas também tão novos quanto eu que vos escrevo. Tive a oportunidade de revisitar a capital cultural do país na última semana e convido todos a viajar mais uma vez comigo e conhecer alguns dos queridinhos da Engenharia Civil e da Arquitetura Paulistana!
Imagem 1 e 2: Panoramas da Cidade de São Paulo, com destaque para o edifício Altino Arantes, emblemática construção da metrópole. Foto: acervo pessoal, 2024.
Avenida Paulista: o coração da São Paulo
Cortando a região Centro-Sul, a famosa avenida se tornou, com o passar dos anos, uma entidade própria: sendo palco de passagem de mais de 1,5 milhões de pessoas-dia, hospeda uma importante sede financeira da cidade — competindo com a contemporânea Faria Lima —, com edifícios de bancos, escritórios e consulados. Mas também é um polo de serviço, cultura e lazer, com hospitais famosos, shoppings, camelôs, lojas, restaurantes e centros históricos diversos, incluindo seu ponto alto, o Museu de Arte de São Paulo — do qual irei falar um pouquinho mais adiante.
Imagem 3: Vista aérea da Avenida Paulista, com destaque para suas largas vias e ciclofaixa e os edifícios prédio da Fundação Cásper Líbero, a sede da FIESP em segundo plano. Foto: Adobe Stock.
No entanto, nem sempre foi assim, apesar de ser vanguarda das tecnologias de construção civil desde sua edificação, quando inicialmente foi pensada para abrigar os casarões dos Barões do Café, no fim do século XIX. Como o café era o protagonista do crescimento da até então pacata cidade provinciana fundada por Jesuítas no século XVI — em terra ocupada por povos indígenas da região —, o então engenheiro Joaquim Eugênio de Lima projetou a avenida larga e com terrenos grandes, com a ajuda do agrimensor Tarquínio Antonio Tarant. O logradouro era como as grandes avenidas europeias, totalmente construído do zero — algo difícil de se implementar nas já existentes metrópoles do país, como Rio de Janeiro e Recife.
Pipocando-se de casarões e palacetes, a avenida se tornou nas décadas seguintes uma ilustração da arquitetura eclética, trazendo elementos do mundo todo, com o bonde instalado e ruas largas para carruagens e posteriormente automóveis, muito diferente do restante da cidade. Se tornou em 1909, inclusive, a primeira via pavimentada da cidade, graças à importação da tecnologia diretamente da Alemanha.
Na década de 50, com o desenvolvimento da cidade, passou por uma nova formulação, abrigando cada vez mais escritórios e prédios econômicos que fugiam do centro histórico de Terra da Garoa. Agora, com a aplicação dos conceitos da arquitetura urbanística, ganhou calçadões de mosaico português, leitos de veículos mais largos e todo um redesenho com mobiliário urbano. Era o início da Paulista que conhecemos hoje, excelência de modernidade desde seus primórdios.
Hoje, conta com uma funcional malha viária, canteiro central com ciclofaixa, faixas exclusivas de ônibus, estações de metrô urbano e diversos edifícios famosos, como o Anchieta, o prédio da Fundação Cásper Líbero, a sede da FIESP com suas luzes e o próprio MASP. Uma infraestrutura suficiente para receber eventos de magnitude colossal, como a tradicional virada do ano, passeatas políticas, a Corrida de São Silvestre e a Parada do Orgulho LGBTQIA+, a maior do mundo — cuja 28ª edição tive a oportunidade de presenciar no domingo de minha viagem.
A Paulista é o verdadeiro coração de São Paulo!
MASP e a arte: a personificação da vanguarda da arquitetura e da engenharia na capital
Seguimos na Avenida Paulista, com uma construção que se destaca em meio aos altos prédios. Um edifício retangular de concreto aparente, com seus vidros alongados nas fachadas, pilares vermelhos e um vão livre imenso, a sede do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - fundado no contexto pós-guerra e pós-Semana de Arte Moderna, em 1947 - é uma das principais obras de arte da arquitetura modernista e da engenharia civil do país.
Imagem 4: A fachada do edifício Pietro Maria Bardi, sede do MASP, na Avenida Paulista. Foto: Adobe Stock.
Inaugurado em 1968, com a presença da então rainha Elizabeth II da Inglaterra, o MASP em sua nova casa tornou-se um centro cultural completo. O edifício Pietro Maria Bardi, projetado pela arquiteta e ítalo-brasileira Lina Bo-Bardi e o engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz a pedido da própria prefeitura de São Paulo, se ergueu no terreno do antigo Belvedere Trianon, no centro da Paulista. Além do bloco subterrâneo de dois pavimentos que se projetam para o viaduto da Avenida Nove de Julho, o que impressiona é seu bloco suspenso: a oito metros de altura do piso térreo, tem seu corpo principal pousado sob quatro pilares laterais interligados por duas grandes vigas, tendo a laje um vão-livre de 74 metros de extensão, o maior do mundo há época, impressionando até hoje pela ousadia.
Imagem 5: Vista do Belvedere do primeiro piso ao nível da Avenida Paulista. Foto: Acervo pessoal, 2024.
Imagem 6: Vista da laje inferior e vão livre à partir do Belvedere, na fila de acesso ao museu. Destaque para as marcas de desforma do concreto. Foto: Acervo pessoal, 2024.
Em termos de estrutura, para erguer os 10 mil metros quadrados do MASP, o próprio engenheiro José Carlos de Figueiredo utilizou sua patente, o concreto protendido, afirmando a técnica no país. O bloco superior serve como cobertura para o grande Belvedere do piso térreo. Sua função? Ser ocupada para uso público em larga escala, sejam de manifestantes ou feiras de arte. Portanto, para cobrir todo esse espaço sem obstrução de pilares, foi utilizado praticamente uma estrutura que pode ser resumida como: dois pórticos isostáticos com duas vigas-caixão — vazadas e com o espaço interno em sua área seção longitudinal para suportar os cabos de protensão — e dois pilares cada, sustentando as lajes. Há ainda um pêndulo interno ao pilar direito da fachada, que soluciona a hiperestaticidade do pórtico.
As dimensões continuam impressionando: os famosos pilares vermelhos têm sua dimensão externa de 4,0 × 2,5 m, com trechos ora maciços, ora vazados. As vigas vazadas têm 3,5 m de altura e 2 m de largura. A laje inferior é pendurada à viga principal, a superior, nervurada do tipo calha, com vigas de concreto armado, apoia-se na cobertura. As vigas são atirantadas uma na outra com cabos de aço. Tudo isso, expondo o concreto como acabamento primário: conseguimos ver, inclusive, as marcas dos moldes, de uma forma visceral e brutalista. Deixo como indicação o vídeo “MASP - Uma Visão Estrutural” do canal do Youtube, Construindoo para visualizar um modelo 3D em BIM dessa estrutura.
Imagem 7: Esquema estrutural resumido da estrutura das vigas e pilares do edifício do MASP. Foto: USP, estudo de caso.
É claro, tudo isso já passou e passa por reformas e manutenções, principalmente das protensões das vigas, refeitas entre 1996 e 2001. Hoje, o MASP conta com uma nova obra de um edifício adjacente de 14 andares para suporte, que está sendo executado ao lado do mesmo, dando apoio às mais de 10 mil obras importantes do museu: Portinari, Tarsila do Amaral, Van Gogh, Manet, Delacroix, Renoir, Anita Malfati, entre outros inúmeros artistas mais contemporâneos que enchem os grandes salões da exposição.
O MASP possui uma arquitetura simples, com toda certeza, mas ainda muito forte e significativa. O Belvedere concorre na cota da Avenida Paulista, aberto sobre todo o vão livre. Essa ideia do vazio relaciona-se com a forma de exposição no museu e expressa, também, um conceito de tempo no qual o espectador é quem domina e gere o espaço, e não o contrário. O grande espaço livre, tanto exterior como interior, é gerido pelo visitante, sem o obrigar a tomar uma direção ou outra, mas sim permitindo que se mova livremente, como a própria arte da capital paulista. Bo Bardi, arquiteta em questão, afirmou: “Não procurei a beleza. Procurei a liberdade.”
Em todos os seus aspectos, impressiona e deixa lembranças memoráveis de uma grande obra de arte que guarda um acervo de obras de arte mais importantes ainda. Com certeza, um marco da arquitetura e da engenharia civil que tive o prazer de conhecer. E você, já conhece ou tem vontade de conhecer?
Fique ligado para a parte dois sobre os ícones vanguardistas da arquitetura e construção civil em São Paulo!
Imagem 8: O autor no mirante Sampa Sky, em São Paulo. Fonte: Acervo pessoal, 2024.
Referências
GUITARRARA, Paloma. "Cidade de São Paulo"; Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/brasil/cidade-de-sao-paulo.htm>. Acesso em 03 de junho de 2024.. Acesso em: 03 jun. 2024.
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HOLANDA, Marina de. “Clássicos da Arquitetura: MASP / Lina Bo Bardi.” Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-59480/classicos-da-arquitetura-masp-lina-bo-bardi>. Acesso em: 03 jun. 2024.
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CARVALHO, Fabrício. Muito além das mortes: Controvérsias da Copa do Mundo no Catar são antigas. [S. l.], 30 mar. 2020. Disponível em: https://esportenewsmundo.com.br/conmebol-define-escala-dos-arbitros-para-as-partidas-entre-santos/4. Acesso em: 26 nov. 2021.
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